18.4.18

fragmentos





aquele que se ajoelha diante do fato consumado não é capaz de enfrentar o futuro
Leon Trotsky

um livro deve servir como um machado para quebrar o mar gelado em nosso interior
Kafka

fuimos las que no salíamos en los periódicos, estábamos entre líneas, en el espacio en blanco entre las historias (...) ya no vivimos en los márgenes de las historias, somos las historias, somos las líneas y las escribimos nosotras mismas
 Margaret Atwood


só naquela noite quis ser a última a ir embora, sentir a pausa do tempo vazio, do ar fresco depois de um dia de fazer queimar o asfalto.
as árvores esverdeadas só nas pontas tinham suas bases escuras, a luz de um farol ou outro refletia nos troncos.
uma noite assim não é feita pro meio de uma semana, pra uma vida de mulher.
um tempo vazio e fresco não é permitido numa noite e numa vida assim.
a gente se engana e pensa que pode, se distrai e confunde a ordem.
da casa pro trabalho, do ônibus pro portão, da chave na mão pro corredor.
tem noite que a gente insiste, se desfaz e diz que pode.
depois o ônibus demora a passar e lembra que o sono vai ser mais curto.
depois o sol se apressa em raiar e aquece nossas olheiras fundas.
mas tem noite que é fresca e não tem como deixar se perder.
a gente não sonha pra poder viver...

18.10


reencontrar o caminho da poesia
de soltar atravessado
atropelado
tudo e tanto que transborda
no corpo
num beijo quase sem fôlego
nas marcas que ficam na pele
no peito cheio de amor
na angústia de não conseguir dizer
abrir as costelas
as entranhas
os punhos, as mãos
o olhar baixo e a voz tremida
sentir agudo cada som que sai
e uma respiração quente
espessa
que nem é mais feita de ar
é suor
sou eu
esparramada em você

20.10


llegada

ar fresco
el español uruguayo al fondo
sente o peso do corpo se acomodar na rede
nas fibras estendidas de uma parede de tijolos viejos
até o tronco de um enramado de árvores
tem poucas nuvens no céu
quase não parece um céu de cidade
numa promessa de mais estrelas hoje
sol, calor e azul amanhã
a gente vai pra outros lugares
e se confunde
o que precisávamos mesmo
o que é essencial
o sol se põe devagar
a brisa logo esfria
os pés vão sumindo na areia
e reaparecendo nas ondas
não sei fazer contas de câmbio nem falar espanhol
mas tem uma linguagem das coisas
dos olhares...
a gente escuta mais quando está longe

16.01


to com aquele choro preso na garganta que faz doer tudo por dentro.
lembro dos passos rápidos na tua frente tentando esconder minha tristeza, imagino qual era a minha forma por trás, tenho medo de ser deformada e feia, torta e estranha do cansaço e do tempo. me dá vergonha pensar nos seus olhos em mim e também de dar importância pra isso. tudo que eu queria era sumir, não querer e não esperar nada.

o desencontro faz ficar concreta toda a pressa e toda a pressão. queria poder andar distraidamente, qualquer coisa a gente se vê, dizer te amo e só sentir. mas nunca deixa de ter tudo em volta dizendo como devo ser e me sentir. mostrando o frio de uma solidão que é só minha, minha e daquela menina que mora em mim.

a esteira deu vertigem, engoli a saliva pesada por três vezes apertando o choro.

não sou poeta, minha memória só guarda o que seria melhor esquecer, não sei fazer almoço de domingo. tomei cerveja pra te esperar, mas o gosto do malte estava amargo e só fiquei com sono e mau humor. as notícias ruins chegaram por celular antes de você, não sei o que pensar, só que bicho acaba sendo uma extensão da gente e a gente morre um tanto vendo aquela vida tão pequena começando a se esvair.

e agora fico lembrando de você naquela noite tirando as minhas botas e a roupa na beirada da cama, me olhando com um sorriso brilhante e bonito. seu braço em volta do meu quadril e o nosso corpo se encaixando de todas as formas, quase preenchendo todo o vazio. tava meio frio e consegui ficar no cobertor e dormir profundamente com você.

essa noite foi vazia e tive pesadelo o tempo todo, nem sei se era sono mesmo ou pensamento. o desequilíbrio dos dias desnorteiam a minha necessidade de alguma segurança. to aqui pensando ainda em como fazer os sete dias dessa semana terem sentido. porque me enfiei no que podia e no que não podia e ainda sinto o tempo fragmentado e roubado por tudo que está em volta, e de certa forma, ainda está alheio ao que importa.

2.04


queria escrever versos pra te recitar
desenhar palavras
fazer corpo das ideias
dos sonhos
e das brisas
te ler num sarau
deixar a voz bem rouca
lembrar do gosto
flertar com a sua boca 
queria ser uma mulher
só uma mulher
sem esse cansaço pesado nas costas
sem culpa
sem marca
ou bagagem
queria ter essas palavras improvisadas
só porque deu vontade
só porque o tempo veio
queria ser esse tempo
que escorre
e discorre 
entre a casa e o trabalho
com uma parada no bar
e uma cerveja
queria ser mulher
queria ser essa mulher que é livre
que não tem medo
que pode confiar no amor
que não espera sempre o pior
queria...
ser qualquer outra forma
outro lugar
um avesso do corpo
o reverso 
o todo
e um nada
pra poder só sentir

28.02

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