27.7.17

pelinha


desenho da ju


a gente cresce
o mundo atropela nossa infância
logo chega o desconforto de estar no próprio corpo
um corpo que é sempre errado
se não tem sexo
ou se é sexualizado demais
sem peitos e sem formas que se encaixam
e uma barriga encurvada pra frente
um sutiã com armação de metal e bojo sufoca a pele
a postura muda
o medo de altura ou de escuro muda
dá espaço pra uma insegurança
esse medo de ser mulher e de ter um corpo
medo de se apaixonar
e de ser correspondida ou não ser...

o prazer das brincadeiras se perde
sexo muitas vezes não tem relação com descobrir o corpo
não tem ligação alguma com prazer
como o prazer que sentimos sozinhas

o sexo ainda é do homem
é do pênis
é da ejaculação e da dificuldade pra usar camisinha

perder a virgindade é perder uma pelinha


13.7.17

inebriada


desenho da ju


inebriada

fico inebriada de você
das marquinhas que ficam no meu corpo
do som da sua voz no meu pescoço
roçando a barba enquanto fala como é bom estar aqui
cê vai pra bem longe e ainda te sinto perto
como se os movimentos repetissem e voltassem no tempo
flash back de corpo, pele, língua, respiração
e a sua mão apertada no meu quadril
e o meu queixo se inclinando pra trás
puxando e esticando todo o corpo
pra se estender e encaixar ainda mais...
em você


11.7.17

lembranças do comecinho











teve um tempo que eu fazia agendas e listas. as listas eram uma forma de lidar com a ansiedade e insegurança, quase sempre pra tentar me convencer de que ia ficar tudo bem. achei essa lista bem no meio do ano, no meio dos meus 23 anos, tanta coisa mudou e algumas, algumas continuam: tenho o Caio; passei num concurso inesperadamente e já me chamaram; a minha família me ajuda e está perto de mim; não vou mais ter que ser secretária; já terminei esse semestre da faculdade.

a faculdade era a Fatec, até ali tinha trabalhado como secretária de advogados e economistas em pequenos escritórios, experiências bem ruins e que não combinavam nada comigo. todos os chefes eram bem PSDBistas, diga-se de passagem, o cara do agronegócio era o agroboy filho do dono da empresa, que lucrava com a sustentabilidade e colecionava gado, e quando eu atendia o telefone tinha que dizer todos os sobrenomes + associados + bom dia, era um inferno. mas, a parte mais difícil é que pra conseguir esses trabalhos eu não podia ser mãe, muito menos uma mãe "solteira", a minha vida pessoal não existia, eu não podia contar do Caio e parte de mim não existia também.

pode parecer exagero, mas lembro de olhar no espelho do trabalho e não me reconhecer, me sentia uma carcaça sem vida e quando cruzava com uma mãe ou babá com crianças pequenas de mãos dadas ou num carrinho seguindo pela rua, no intervalo do almoço, não conseguia segurar o choro. acho que por isso até hoje sou exagerada e emotiva com qualquer possibilidade de ser verdadeira e de saber mais da vida das pessoas.

o concurso a que me refiro na lista era do Instituto Adolfo Lutz, pra oficial de apoio de atendimento, de nível básico, em que conheci os queridos do coração Irene, Roberta e Fernando. foi um tempo especial, a gente demorou uns 3 meses pra receber um salário, que era bem baixo, mas aprendi um montão de coisa. foi o primeiro emprego que pude levar o Caio pra conhecer, ele era bem pequeno ainda e muito fofinho, foi muito bem recebido por todos.

até hoje não tenho palavra pra descrever o que senti quando entrei naquele lugar segurando a mãozinha pequena e gordinha do meu filho. eu podia respirar aliviada enfim.