escrevo teu amor
cheio de palavra real
quase numa fotografia
não quero por mais nada
nem floreio
nem engano
só quero o gosto exato
do suor, do gozo
das coisas que cê me fala logo que acorda
do sorriso
do seu olho brilhando me chamando
das conversas
de verdade e de perrecagem
porque cê vai pra longe, longe
e ficam essas imagens e palavras no meu corpo
que passam
e passam de novo
pra disfarçar a saudade
pra marcar minha pele
pra te sentir tocando
molhando
e ficando no meu coração
a boca mal se encosta a pele já se aperta
se contorce te empurra parece luta
cê me dá uma volta
respira pesado na minha nuca
o beijo se perde na língua
que escorrega e chega em todos os cantos
nas pontas dos dedos, da orelha
na dobra que o meu quadril faz
quando quer te dar, ver e beijar
tudo ao mesmo tempo
beijo teu pau, cê morde minhas costas
me distrai me lambe a beira enfia o dedo
lembra de ser suave pra eu te sentir mais
o corpo se estica
se move sem ordem alguma
joelho no azulejo
coxa apertada no sofá
mão esticada na almofada
amor precipitado
nem chega no quarto
só quer saber de te salgar
e te comer a carne crua
a gente cresce
o mundo atropela nossa infância
logo chega o desconforto de estar no próprio corpo
um corpo que é sempre errado
se não tem sexo
ou se é sexualizado demais
sem peitos e sem formas que se encaixam
e uma barriga encurvada pra frente
um sutiã com armação de metal e bojo sufoca a pele
a postura muda
o medo de altura ou de escuro muda
dá espaço pra uma insegurança
esse medo de ser mulher e de ter um corpo
medo de se apaixonar
e de ser correspondida ou não ser...
o prazer das brincadeiras se perde
sexo muitas vezes não tem relação com descobrir o corpo
não tem ligação alguma com prazer
como o prazer que sentimos sozinhas
o sexo ainda é do homem
é do pênis
é da ejaculação e da dificuldade pra usar camisinha
fico inebriada de você
das marquinhas que ficam no meu corpo
do som da sua voz no meu pescoço
roçando a barba enquanto fala como é bom estar aqui
cê vai pra bem longe e ainda te sinto perto
como se os movimentos repetissem e voltassem no tempo
flash back de corpo, pele, língua, respiração
e a sua mão apertada no meu quadril
e o meu queixo se inclinando pra trás
puxando e esticando todo o corpo
pra se estender e encaixar ainda mais...
em você
teve um tempo que eu fazia agendas e listas. as listas eram uma forma de lidar com a ansiedade e insegurança, quase sempre pra tentar me convencer de que ia ficar tudo bem. achei essa lista bem no meio do ano, no meio dos meus 23 anos, tanta coisa mudou e algumas, algumas continuam: tenho o Caio; passei num concurso inesperadamente e já me chamaram; a minha família me ajuda e está perto de mim; não vou mais ter que ser secretária; já terminei esse semestre da faculdade.
a faculdade era a Fatec, até ali tinha trabalhado como secretária de advogados e economistas em pequenos escritórios, experiências bem ruins e que não combinavam nada comigo. todos os chefes eram bem PSDBistas, diga-se de passagem, o cara do agronegócio era o agroboy filho do dono da empresa, que lucrava com a sustentabilidade e colecionava gado, e quando eu atendia o telefone tinha que dizer todos os sobrenomes + associados + bom dia, era um inferno. mas, a parte mais difícil é que pra conseguir esses trabalhos eu não podia ser mãe, muito menos uma mãe "solteira", a minha vida pessoal não existia, eu não podia contar do Caio e parte de mim não existia também.
pode parecer exagero, mas lembro de olhar no espelho do trabalho e não me reconhecer, me sentia uma carcaça sem vida e quando cruzava com uma mãe ou babá com crianças pequenas de mãos dadas ou num carrinho seguindo pela rua, no intervalo do almoço, não conseguia segurar o choro. acho que por isso até hoje sou exagerada e emotiva com qualquer possibilidade de ser verdadeira e de saber mais da vida das pessoas.
o concurso a que me refiro na lista era do Instituto Adolfo Lutz, pra oficial de apoio de atendimento, de nível básico, em que conheci os queridos do coração Irene, Roberta e Fernando. foi um tempo especial, a gente demorou uns 3 meses pra receber um salário, que era bem baixo, mas aprendi um montão de coisa. foi o primeiro emprego que pude levar o Caio pra conhecer, ele era bem pequeno ainda e muito fofinho, foi muito bem recebido por todos.
até hoje não tenho palavra pra descrever o que senti quando entrei naquele lugar segurando a mãozinha pequena e gordinha do meu filho. eu podia respirar aliviada enfim.
a mistura do calor e frio de uma manhã de domingo no inverno. o frio dos ponteiros do relógio que passam atravessados pelas noites, pelas vidas, pelos desejos e levam ligeiro o tempo de ficar mais um tanto num cobertor, num abraço. o calor de ainda se demorar um pouco mais na cama, com os olhos fechados sentindo, lembrando de um toque suave na pele...
amor platônico
é clichê
é ão,
enjoa.
quero experimentar
o sol, o ruído, o contraverso
revés, espaldar, costas e pele
meia calça
atrito, sorriso
grito
tudo ou qualquer coisa
que não seja... pausa
apertei, espremi, tentei de todo jeito
me apeguei as distâncias pra tentar me proteger
pra não me perder
fiz discursos diretos perfeitos pra me convencer
repeti como um disco riscado
nada, nada adiantou
e essa distância só amplifica o peso das memórias
tentei não ficar presa
seguir em frente
mas a vida está acontecendo agora
e do jeito mais sofrido tentamos não deixar ela ser e existir
impondo silêncios, olhares tristes e vazios
quero me jogar numa última tentativa
jogar o peso pra roda da vida
fazer girar o tempo perdido
ter um tempo real pra conversar
pra existir de verdade, com todos os problemas e defeitos
pra parar de ser sonho ou pesadelo
quero só ser uma pessoa de carne e osso
que não precisa fingir ou ser memória dolorida
só mais essa tentativa
um tempo real nesse recorte de espaço
uma brecha pra dizer o que faz sentido de verdade
ninguém nos ensina a ficar sozinhos a confiar nisso confiar só se aprende na prática queria não precisar mentir pra dizer as verdades mais doloridas pra convencer a mim mesma aprendemos desde pequenas que não podemos confiar que não podemos ser nós mesmas com nossa carne, alma e vontade quero voltar, ficar, ir pra bem longe... todas as vozes são um zunido confuso as vozes dos outros as vozes na minha cabeça as vozes das mentiras que nos trouxeram até aqui.
palavra presa é nó na garganta e no coração, é questão de tempo, pra transbordar... quem tem um monte de palavra escapando dos bolsos, da botina e das meias, acaba enfiando os pés pelas mãos.
até onde seguram-se os corpos
os amores
o que está por dentro
e persiste com o tempo
os ventos tratam de levar pra longe
bagunçam nossos cabelos
e voltam soprando a nuca
os tecidos se esfriam e dançam
nos confundem os olhos
e a vontade
...
até quando
se desmancham no hálito
na poesia escondida
numa despedida
na vontade de ficar
a gente gira em torno do próprio umbigo, sofre e sente, pensa tanto, tentando entender as coisas, ver cada lado, sempre com os ruídos do egoísmo, do medo, da insegurança.
uma briga aqui e outra ali, quantas brigas é possível ter e o quanto essas brigas falam de medo e de amor.
sentir desse jeito desmedido, tão confuso e no fim das contas ser tão sozinha, se não faço alguma coisa, não tem ninguém pra fazer no lugar, todas as responsabilidades continuam ali, pairando e pesando, as vezes não consigo carregar.
desde os 20 anos, sigo conversando com aquela menina inquieta, poeta e triste, que persiste aqui dentro, por mais que a carcaça mude e as marcas do tempo apareçam, ela ainda existe e aperta em cada briga, em cada solidão, a cada amontoado de coisas que preciso dar conta de um jeito ou de outro.
as vezes tento só deixar o tempo passar, espero se acumular alguma energia ou acontecer alguma reviravolta pras coisas se tornarem menos difíceis.
agora mesmo a tristeza aperta e a noite vai ser longa até amanhecer e eu poder dar um abraço no Caio, pedir desculpas, dizer que toda aquela bronca é amor. e, disfarçar... que só de pensar nele uma semana fora de casa dá um medo tão grande, que eu não sei dividir, preciso tanto de ajuda, preciso sim, mas não sei confiar, não aprendi, isso não me deixaram aprender.
o descompasso insiste
medo de deixar
de seguir
de sentir desmedido
prender tanto
pra precisar soltar
o sentimento repreendido
confronta o espontâneo
com ternura, carinho e desejo
com impaciência e insegurança
o tempo é um espaço entre duas linhas
que quase se tocam
numa noite ou outra
se esbarram numa risada
numa manhã sem pressa de levantar
na vontade de encontrar
de não pensar em nada
em volta
e dentro
o espaço de tempo é desprendido
dos estranhos rumores
dos caminhos perdidos
debaixo dos travesseiros
nos lençóis caídos
murmúrio, pele e toque
palavra, silêncio e sorte
é terno o olhar
a gente decide o que quer
a vida e a realidade se impõem
linha, corpo e espaço
embaralhados
corre, espera, dorme
solta, segura e cobre
o jogo de prefixos nos consome
brincar de amor dói
não esquece, que somos feitos de carne
e que sonho também transborda
hoje quando saí do trabalho segui caminho pelo Instituto Butantã, metade da calçada tinha sombra. com o horário de verão, dezessete horas ainda parece meio da tarde. as folhas e galhos pequenos e secos estalam nas solas da alpargata.
fui até o fim do segundo quarteirão, que beira um campo largo e verde, no início uma casa de joão de barro replicada, na beirada bancos arqueados de praça. sinto o sol que escapa entre a copa das árvores, um passo atrás e uma meia volta, decido ler um pouco ali mesmo, pra aproveitar um tanto mais o dia.
minha concentração não é das melhores, deito as costas na grama, sempre me impressiona o céu azul, o contraste das nuvens, o brilho do sol... um solzinho gostoso de sentir na pele, que vai esmaecendo lentamente e brincando com o desenho da sombra das folhagens, sigo um pouco mais na leitura... essa sensação me faz lembrar você, fecho os olhos um instante, penso no último abraço feito de saudade.
abro os olhos, o céu e a grama, mesmo com o entardecer, parecem ainda mais claros, nítidos como a vontade de que aquela sensação chegasse até você, em alguma brechinha dos seus turnos de tinta, máquina e papel, num pedaço do descanso no final do dia. pra ficar um pouco mais perto, sim, mas também pra ter na sua rotina essa sensação na pele e no peito, que devia existir nos finais de tarde, na vida, de todo mundo...
quando o vento começa a esfriar, levanto, uma boa sacudida pra tirar as graminhas soltas e alguma formiga perdida nas roupas. sigo até o ponto, a fome aperta e vários ônibus muito cheios passam, na rua perto de casa passo numa quitanda, aqui mais pro lado do Rio Pequeno ainda tem desses comércios menores. compro uns limões, vagens, caquis e uma paçoca. os caquis estão maduros e firmes, cortados em fatias fica ainda mais bonito o vermelho alaranjado. estão doces, muito doces. vem uma vontade de escrever sobre essas coisas bonitas e meio bobas...
o bom de se sentir mal, muito mal, é que vem uma vontade de mudar tudo com urgência. esse negócio de amadurecer, sofrer e ter urgência embola uma coisa no peito, puxada lá das entranhas, uma coisa de virar do avesso do avesso, coloca a vida em outra medida de tempo...
e, eu que já sou outra, aquela que nunca é a mesma, nas águas que são sempre outras, de um rio que não tem espera, mergulho fundo, respiro no impulso da água gelada, da água que se confunde, turva, na agitação do passo na terra lodosa, escorregadia.
água, terra, lama, impulso. lava, molha, encharca o espírito, a vontade intumescida. esse correr da água que leva, lava, mas não apaga. o que a gente foi, o que a gente quer, o que ficou preso nas margens perdidas, os restos de tecidos envelhecidos, os galhos e folhas secas quebradiços.
a gente acaba dando um jeito de sair pela outra margem, de atravessar, nada contra a correnteza, engole água. mas a urgência vai e empurra, de algum jeito alguma hora passa... esse afogar.
I. tem o corpo, a carne e o sangue tem o gesto e a palavra. acorda e levanta, sente a asa do quadril tensionando a carne. fecha os olhos, formigamento até os pés, veia expandida. cada sangue e músculo por baixo da pele lateja, contorce um tanto as entranhas, solta e prende. conta-gotas estala na água, olha por entre as pernas, cerâmica de aquarela. espera um pouco... deixa ficar vermelho puxando por um fio de muco, sua frio, um suspiro e o sangue volta a face.
II. puxa a calcinha de lado, as mãos nas coxas pressionam o corpo gelado. respira um pouco mais fundo, perto do pescoço até a ponta da orelha, encosta cada parte até aderir toda as costas. com a boca cheia de água o lábio corre molhado na pele, encontra os cabelos na nuca, mordida no ombro. a asa do quadril cede, o espasmo se perde, confunde, no ajuste do corpo pra sentir prazer...
a poeira de terra vermelha encontra a umidade de um dia pro outro pastosa lama pedregulhenta corta a madeira cavoca o buraco metal arranhando o mato um latido uma galopada bate as mãos no jeans da calça garoa fina, fina tenta nos molhar com o vento de lado as conversas borbulham e se misturam nos sonhos dos jovens de pouca e de mais idade... a fogueira segura a cantoria engrossa a palma nas cascas e galhos queima as solas dos sapatos enrubece as bochechas evapora o hálito de cachaça a fumaça arde e faz brilhar os olhos
tem noite que esconde lua, estrela, nuvem tem gente que carrega tudo isso no peito
os impulsos vão nos carregando quanto depende da nossa vontade? altos e baixos pra tão perto e tão longe... a vida vai correndo, cheia e vazia. bebi, ri, chorei, dancei de madrugada cometi todos os erros tive insônia dividi minhas alegrias e tristezas com quem tava lá fiquei sozinha dormi mandei mensagens erradas sonâmbulas dei todas as risadas chorei as lágrimas que tavam presas não fiz absolutamente nada fiquei por algum tempo paralisada mas a vida nunca deixa eu não deixo parar por tempo demais não sei o que to fazendo tem um plano bem arranjado em algum lugar de um jeito meio atrapalhado às vezes faz mais sentido, às vezes menos e tem a vida que vai acontecendo com esse corpo com essa alma, cabeça e coração cada um com vontade própria com seus próprios mecanismos de defesa de loucura de vontade que correm e correm e de repente, param tudo de novo. Original publicado no Esquerda Diário: http://www.esquerdadiario.com.br/mensagens-sonambulas