20.9.15

pra alimentar ou matar, tudo isso, por dentro

escrevo aqui pra dizer algo que precisa sair, não sei bem pra onde ou como, é algo que sufoca por dentro, um pouco a cada dia, e mais forte em alguns momentos, algo que repuxa e se contorce do estômago até a garganta, que vem nas noites na forma de sonho, nos dias na forma de angústia, algo que me prende em apatia e choro, algo que me sufoca e empurra ao mesmo tempo.

não posso explicar sem ser confusa, é uma guerra todo dia aqui dentro, uma guerra pra levantar e sair de casa todos os dias, fazer tantas e tantas coisas, coisas que alimentam um sistema que só nos mata aos poucos, bater o ponto, correr atrás do ônibus, ver o dia no intervalo do almoço, formar palavras, pilhas de papéis e processos sem sentido...

e tem dia que é mais cinza e as emoções tomam proporções maiores porque se refletem em todo o céu úmido e frio.

e mesmo nos dias abafados e quentes, a falta de ar pesa na respiração, nos pés inchados presos nos sapatos, nas grades das janelas, nas caixas de cimento em que nos enfiamos...

em outras caixas por aí, o peso sobre os corpos é muito maior, a ameaça faz parte de cada minuto do dia, o dinheiro no final do mês não dá pro aluguel, pagar as contas e pra comida, o peso nas mãos provoca doenças em muito pouco tempo, o peso das ideias mata o que resiste de humano, o que sobrevive de orgulho. e todas as mentiras, tantas mentiras, escondem a história das pessoas, das morais e dos lucros. enganos forjados, carnes marcadas e muita, muita propaganda pra fazer ruído e falar mais alto que toda indignação.

somos cobrados a todo momento, e nossas incapacidades são usadas pra nos humilhar, não temos saúde, não temos escola, não temos direito sobre nossos corpos, mas não podemos sofrer, temos que estar sempre fortes e prontos pra cumprir nossas funções, quem não sabe a letra não tem voz, não tem escolha, tem que sorrir e obedecer, mascarando o desespero de viver doente e revoltado nesse mundo que só pode provocar doença e infelicidade.

perco o fio do que quer sair, tudo é distração pra diluir a finalidade das coisas, tarefas e mais tarefas, organizacionais, culturais, materiais, sindicais, militantes, amorosas... todas, todas se confundem com o enorme emaranhado em que estamos imersos, cedo ou tarde entram na dinâmica maluca de confronto, estamos todos nos confrontando a todo momento, não confiamos em nós mesmos, menos ainda em nossos companheiros, travamos uma grande e enorme briga porque nosso maior instinto é nos defender, sobreviver, nossas palavras e ações são carregadas de todas as nossas pequenas defesas construídas ao longo de uma vida inteira, são carregadas dos enormes muros que levantamos a nossa volta, que nos deixam tão, mas tão bem cercados, que não podemos enxergar o que há em volta, são pedras e mais pedras, enfileiradas sobre concreto, o ar que fica a nossa volta vai ficando gelado e rarefeito...

e pulamos, e nos debatemos com toda a força querendo sair, puxamos alguns pra dentro do nosso cercado de proteção, impomos nossas regras, falamos um sem fim de motivos apenas pra explicar quem somos e porque estamos legitimamente nos defendendo, e todos estão tão corretos que todas as explicações são facadas na direção dos outros... e nossos corpos estão cansados demais.

e essa batalha a nossa volta só aumenta a carne viva que é a batalha por dentro desses corpos, corpos novos, velhos, rígidos, flácidos, negros, brancos, com seus gêneros, seios e sexos, com suas marcas de nascença, marcas de machucado, com suas mutilações, seus pelos, pintas e espinhas, cabelos curtos, longos, crespos, lisos, encaracolados, e suas formas e suas extensões, desenhos, brincos e artefatos, pra enaltecer, provocar, desmontar padrões, lógicas e expectativas.

e no fim tudo é uma grande escolha, uma grande e definitiva escolha de quem somos, do que queremos ser e construir, de quem queremos ao nosso lado, que discursos são nossos, são próximos, do que aceitamos, e do que nos mata mais um tanto todos os dias, por nos impor o que não queremos, o que não escolhemos e mesmo assim está sobre nossas cabeças como uma enxada pronta a fincar a terra.

que maldição é essa de viver, sem poder viver, sem poder sentir o que sentimos sem esses montes de muros e labirintos a nossa volta e dentro de nós, saímos das discussões mais concretas pra nos perder mais e mais nas batalhas psicológicas, de provar quem somos, que estamos certos.

pra ficar ou sair, enfrentar ou fugir, de um lado ou de outro, sentindo tanto e tanto, tanto a ponto de entregar nossas vidas a essa máquina de moer gente, de fazer dinheiro, lucro, concreto, metal e juros, que movimenta toda a fortuna do mundo, enquanto morre gente, morre gente todo dia, na calçada da periferia, no mar de refugiados, pelas armas das instituições, do sistema e suas fronteiras.

pra alimentar ou matar, tudo isso, por dentro.



8.9.15

sensorial em 6 tempos




i.

me entrego aos sons
(com você) consigo fechar os olhos
o tempo para
e corre
a pele encosta leve no lençol
no ombro
no corpo
que se entrelaça
deslizando
acomodando
todos os encaixes de um quebra-cabeça
que por um momento preenche todo espaço
dentro quente
fora ampliado

ii.

o som chega logo a um ponto bem específico dos pensamentos
ligado direto ao pulsar no peito
estômago
e pontas dos dedos

iii.

a sensação ofusca a vista
num entorpecer que passa pelo fundo dos olhos
fechando devagar as pálpebras
pra enxergar as ondas de energia
numa meditação profunda
no mergulho mais fundo
(nas águas)
que nos engolem
depois de tantos erros e acertos
ainda temos coragem de arriscar
de pular

iv.

porque tudo fica simples
por um breve momento
e é só um momento
pra encontrar
viver
desvendar saudades
sentir
e querer ficar mais um pouco

v.

parece muito
tanto
que transborda...
são tantas as coisas que podem nos levar a isso
notas, palavras, imagens, toques, desejo, cuidado, carinho, sentidos
e com você
todas acontecem ao mesmo tempo
não existe a menor chance
de não sentir

vi.

amparo
troca
conversa
e beijo